sábado, 8 de janeiro de 2011

Não pisar a relva (Marathon T06)




Quando se escreve há a tentativa de fazer aquelas grandes teorias sobre o mundo, talvez isso seja porque quando escrevemos temos a tendência a ser mais inteligentes do que quando falamos. As teorias normalmente começam “há dois tipos de pessoas no mundo” a verdade é que não revela lá grande inteligência pois a bem da verdade trata-se de lógica pura, uma característica e o seu inverso dão sempre a totalidade. É fácil dizer “há dois tipos de homens no mundo: os que tiram macacos do nariz e os que não tiram” pois a bem da verdade não há terceira hipótese. Mais complicado é fazer uma teoria a dizer que há só duas hipóteses quando na verdade há três. E isto tudo para que? Para dizer que hoje quando corria criei uma teoria: que há dois tipos de corredores; os que quando correm não pensam em nada, quase que chegando a um estado zen/nirvana, e os que ao contrario pensam em tudo. Eu claro pertenço ao segundo tipo o que é uma chatice pois acho que o primeiro é o que dá os melhores corredores. Assim sendo hoje quando ia na corrida já pelo terceiro quilometro, já mais de um quilometro dentro do parque não posso deixar de reparar nas dezenas de pessoas que estão no parque a fazer desporto principalmente a jogar futebol e râguebi na relva. E por estarem a pisar na relva a memoria saltou-me para o jardim público em Beja onde era proibido pisar a relva, ainda pior onde era proibido andar de bicicleta. Sim, num parque era proibido andar de bicicleta. E lembro-me de sair de casa de bicicleta e ir pelo meio da rua quando um policia me mandou ir para o passeio porque as bicicletas não são carros. E ladeira abaixo encontrar um novo policia à porta da esquadra que me manda sair do passeio porque as bicicletas não são peões e por fim chegar ao jardim público onde me mandam sair da bicicleta. E agora no jardim público de bicicleta na mão a passear por onde dei o meu primeiro beijo e onde aprendi a fazer lances livres no basket. E no meio disto a música da minha corrida continua a tocar no aleatório, mas eu não acredito muito no aleatório, quatrocentas musicas no telemóvel e quando me aparece o primeiro cansaço numa mini-subida os Coldplay viram-se para mim e dizem “nobody say it was easy” e eu logo duvidei que o telemóvel que já é mais inteligente que eu a jogar xadrez já deve ser noutras coisas também. Mas a bicicleta ainda me anda na memoria e depois lembro-me do percurso tipo em Beja, ir até à base aérea, acho que eram 11km feitos na altura em 45m medidos com conta quilómetros de bicicleta numa altura que ainda não haviam GPS nem para carros, e agora que corro o meu gps de pulso mostra que aos 4km vou em bom ritmo mas eu sinto que não vou com muita pica. E por as viagens à base lembro-me que o Branquinho é que era, o meu primeiro cão uma vez acompanhou-me a mim e ao meu irmão na ida e volta até à base (22km) penso que talvez tenho que ligar ao meu irmão a perguntar que ele se lembra. Mas de certeza que se lembra. Chego ao fim do parque e quando estou quase a voltar para trás lembro-me que estou perto de onde vão ser os jogos olímpicos em 2012, falta menos de ano e meio. Ao marcar os 5 quilómetros vejo que já não tenho perna para bater o record deste percurso de 8km, mas que se lixe tento amanhã que ainda hoje é sábado. Quando já estou quase a preparar a saída do parque (km 6) sinto que já não estou cansado, é verdade que não tenho energia para acelerar e que já vou a passo de caracol mas entre todos estes pensamentos já estou algo zen fisicamente pelo que decido meter-me num percurso mais longo para tentar fazer 10km em vez dos 8km planeados. Enquanto faço isto penso que é uma das novas vantagens da minha rotina de corrida, em Lisboa como corria principalmente no jardim da estrela (750m por volta) a cada 5 minutos tinha a oportunidade e a tentação de ir para casa. Como agora corro sem ser as voltas, desenhando um percurso, posso arriscar distancias mais grandes sem a possibilidade de desistir, já que vou ter de fazer o percurso quer seja a correr quer seja a andar. No entanto ao embarcar pelo percurso mais longo aproveito para sacar da garrafa e beber água, e ao contrario do que parece beber água a correr às vezes disturba para caraças, o ritmo cardíaco altera-se, a garrafa às vezes cai, o ritmo perde-se, e assim que por dois dl de água fiquei tão cansado como correr 10minutos. Mas aguentou-se, e lá fui a passinho de caracol pelo oitavo km ainda no parque quando o Bod dylan começa a falar. E agora não me lixem, não pode ser aleatório que o Dylan começa a falar que a verdade está no vento no exacto momento em que o vento começa a soprar fortemente e infelizmente de frente. Mas nada disto seria digno de nota se já ao acabar o 9 quilómetro, no exacto momento em que começo o último vejo no meu bairro, que tem uma concentração de “alternativos/indies” por metro quadrado superiores ao do palco de um concerto de Árcade Fire, uma rapariga que às tantas até toca nos Árcade Fire a passear a sua doninha tal e qual aquela dos niilistas do Big Lebowski, que para quem não sabe deve ser dos melhores filmes da história, se calhar ela também é niilista e eu também enquanto corro não acredito em nada porque ao chegar ao fim dos 10km lembro-me que, sem saber porque, é proibido pisar a relva.

1 comentário:

  1. Sim, lembro-me. O Branquinho é que era. Grande cão. O Piuga era o mais engraçado, mas o Branquinho era mais inteligente que muitas pessoas.
    Parabéns. Grande exercicio de catarse pessoal. Soube bem?

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